quinta-feira, 9 de junho de 2016

Modelo de Gestão, Organização do Trabalho, Assédio Moral e Resolução 219/CNJ


Por Arthur Lobato, psicólogo responsável pelo Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG.

O Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral do SITRAEMG tem o viés da saúde do trabalhador como referencial científico e político de trabalho. Para melhor entender esse tema é preciso analisar três questões que interagem na relação prazer/sofrimento no trabalho.
A primeira questão é como se organiza o mundo do trabalho no serviço público, atualmente; a segunda questão é a do modelo de gestão em busca de metas e produtividade e sua relação com a saúde/adoecer do trabalhador; e a terceira questão é a relação das novas tecnologias: PJE e novas modalidades de trabalho: home office, tele trabalho ou trabalho em casa, e seus impactos sobre a saúde do trabalhador.
Enfim, a essência de nosso discurso e ação é como conseguir mais produtividade e cumprir as metas do CNJ sem que isto gere mais absenteísmo e adoecer do trabalhador. Com o quadro reduzido de pessoal, impedimento legal de novas contratações, alto índice de absenteísmo, temos uma equação delicada para ser equacionada.
A diretoria do SITRAEMG, em matéria divulgada no site do Sindicato (clique AQUI), faz uma crítica à Resolução CNJ nº 219, de 26 de abril de 2016, “que traz uma série de fórmulas que visam traduzir numericamente a produtividade dos servidores, bem como a estipular o número médio de servidores necessários para o bom funcionamento dos tribunais. O SITRAEMG parte da hipótese de que as fórmulas elaboradas são artificiais e incapazes de refletir o que propõem, especialmente, ao facultarem ao gestor computar ou não os servidores licenciados, cedidos, em desvio de função, quando da avaliação da produtividade.”.
Uma outra crítica que deve ser feita ao modelo atual do serviço público é que o juiz se torna gestor. Então, há um acúmulo de função e de trabalho, pois, além dos processos, o magistrado também tem que cuidar do relacionamento interpessoal e, para isto, teria que frequentar cursos de gestão, já que isto não é a atividade fim do juiz: ser gestor de pessoas. E, ainda mais, o juiz teria também que ter um perfil de gestor, o que é diferente de ser juiz.
Em recente visita à Justiça Federal da cidade de uma comarca, em conversa com o juiz, comentou-se que cada juiz federal da comarca tem em mãos em torno de 8.500 processos, quando o ideal seria 4 mil, o que é um número elevado. Em conversa com outro juiz,  foi constatada a dificuldade da dupla função, ser juiz e ser gestor. Afinal, o ser humano é complicado por natureza, e ser gestor não é atividade fim do juiz.
Entendo que a sobrecarga de serviço, o aumento do ritmo de trabalho e as novas tecnologias afetam tanto servidores quanto magistrados, conforme constatado pelo pesquisador Herval Pinna, em seu livro “O juiz sem toga”, parceria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (SINJUSC) – mais um exemplo de parcerias entre o tribunal e o sindicato em prol da saúde do trabalhador.
Outro reflexo da preocupação com a saúde do servidor e magistrado é a Resolução Nº 207, de 15/10/2015, também do CNJ, que institui a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores – PAISMS (clique AQUI para ler artigo publicado neste site), que aponta a preocupação institucional com o alto índice de absenteísmo no Judiciário e no serviço público como um todo.
Em outubro de 2016, ministrei um curso de Combate ao Assédio Moral no para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), através de parceria do TJRS, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Sindjus-RS e Abojeris. Participaram do curso, de três dias, servidores, desembargadoras, juízas, profissionais de saúde do tribunal e sindicatos, além de representantes dos oficiais de justiça e sindicato dos servidores – Sindjus-RS. A novidade relatada é que, no concurso para juiz do TJRS, é necessário que o juiz também tenha uma formação de gestor. Chefiar é diferente de liderar, e hoje o gestor tem de ser líder (clique AQUI para ler artigo).
Ser gestor é muito difícil, é quase uma vocação, pois existem as limitações e diferenças dos indivíduos, e o gestor deve ser como um técnico de um time de futebol: a equipe tem os craques, os medianos e os limitados, mas a força do grupo está no modo como o técnico lida com as capacidades e o ego de cada um, formando, assim, uma equipe coesa e vencedora. Esse é um exemplo de bom técnico, que deve ser o modelo de um bom gestor, ou seja, criar uma equipe em que o conjunto se equilibra nos pontos fortes e pontos fracos.
Entretanto, com o aumento da carga processual, o número reduzido de funcionários, o afastamento por licenças saúde, o absenteísmo, o presenteísmo (estar presente sem se envolver com o trabalho ou trabalhar adoecido), a falta de motivação, a falta de reajustes salariais, a aposentadoria de servidores sem reposição do quadro e os cortes no orçamento do Judiciário, fazem com que nosso trabalho de prevenção em prol da saúde do servidor seja essencial, pois, se o trabalho for fonte de sofrimento e adoecimento, haverá um maior afastamento por licenças médicas, o que prejudica na produtividade, no alcance de metas e causa sobrecarga de trabalho para quem fica na labuta diária.
O bom gestor precisa entender os limites humanos, e o juiz também esta com sobrecarga, tanto em sua tarefa de ser juiz quanto na de gerir pessoas, e pessoas são diferentes.
Causa preocupação não só a nós do SITRAEMG, enquanto representante legítimo dos servidores do Judiciário Federal, quanto à instituição e ao próprio CNJ, que, visando melhorar a relação saúde – produtividade de trabalho, instituiu a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores PAISMS – resolução 207/15 (ver AQUI).
Esta resolução é muito importante tanto para magistrados, servidores, sindicatos e associações, já que o adoecer no judiciário é uma realidade que deve ser enfrentada em parceria. Um dos objetivos do Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) é entender a relação do modelo de gestão, da organização do trabalho, das novas tecnologias com o processo de saúde e adoecer de servidores e magistrados.
Entendo que esta resolução, fruto de mais de dois anos de trabalho, é importante e requer a participação tanto de servidores quanto de magistrados, pois no Artigo 8º consta a participação dos sindicatos dos servidores e das associações de juízes no comitê gestor local e nacional para análise de dados e elaboração de políticas em prol da saúde do trabalhador.
Portanto, propomos a união entre a associação dos Juízes Federais (AJUFE), AMATRA e TRE, para criação deste comitê gestor com a participação do SITRAEMG e da Fenajufe no comitê gestor nacional. Alguns estados, como o Rio Grande do Sul, já montaram seus respectivos comitês gestores. Que, juntos, possamos encampar este projeto que beneficiará ao Judiciário como um todo, pois, reconhecendo e entendendo o problema, fica mais fácil enfrentá-lo. Este é o nosso desafio em prol da saúde do servidor e da servidora.

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