segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A “Indústria da loucura” e o adoecimento do trabalhador

Psicóloga Mariana Cristina, militante do MNLA
A psicóloga Mariana Cristina, militante do Movimento Estadual da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro (MNLA), participou como palestrantes neste sábado, 5, no segundo e último dia do Seminário do Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG, abordando o tema “Indústria da loucura”. Ela começou explicando que o trabalho do MNLA é “desconstruir” os conceitos de “normalidade” e “anormalidade” quanto ao comportamento do ser humano, e frisou que o adoecimento do trabalhador é consequência da ganância do sistema capitalista, cujo único objetivo é a obtenção do lucro.

A psicóloga também apresentou dados estarrecedores sobre a saúde mental do trabalhador: 30% da população mundial sofre de transtornos mentais leves e de 5% a 10% transtornos mentais graves (dados OMS); e os transtornos mentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho – R$ 200 milhões em pagamentos de benefícios anuais. Dados da própria Previdência brasileira revelam que as doenças mentais nos afastamentos associados ao trabalho aumentaram de 4% para quase 5% das licenças nos últimos três anos. E, enquanto o adoecimento leva ao aumento das aposentadorias por invalidez, o governo promove cortes e mais cortes na Previdência. Só no início deste ano, assumiu o compromisso de revisar 500 mil auxílios-doença e 700 mil aposentadorias por invalidez.

Falando sobre o conceito saúde-doença, a palestrante detalhou que, na segunda metade do século XIX, a medicina era desenvolvida dentro de um sentido biologicista: o corpo separado da subjetividade. A busca da cura era forçar o sujeito a identificar-se com a doença. A medicina cumpria o papel de adaptação do homem à manipulação – controle social – ao qual a ciência médica fornece seus remédios. Assim, pessoas que incomodavam a sociedade, muitas vezes eram internadas como loucas. Com base no princípio epistemológico do isolamento (isolar para conhecer o paciente), os manicômios se multiplicaram no Brasil, no século XX, e foram se transformando em verdadeiros “campos de concentração”. Era como se fosse uma política de “higienização social”, com violação brutal de direitos humanos. Somente na Colônia de Barbacena, morreram 60 mil pessoas no século XX, sendo que, em dias de muito frio e superlotação, chegaram a morrer 16 pessoas por dia. Após 1964, na ditadura militar, os militares incentivavam a participação do capital privado em todos os setores e na saúde não foi diferente. Era ótima fonte de lucro, pois não precisavam de grandes aparelhos médicos nem sofriam controle por parte da sociedade e do Estado. O retorno do regime democrático, a partir de 1985, e a Constituição de 1988 trouxeram mudanças no sistema e, em 2001, foi aprovada a lei federal 10.216/2001, que determinou a extinção dos manicômios.

Mas engana-se quem acredita que a indústria da loucura no País acabou. Conforme explicações da psicóloga Mariana Cristina, os manicômios deram lugar às Comunidades Terapêuticas, que atuam não com serviços de saúde, mas de doutrina. Só para se ter uma ideia do montante de recursos destinados a essas CTs, em 2011 foram destinados a elas R$ 34 milhões, ou cerca de R$ 800 reais por usuário. “Trata-se de uma opção do governo federal para compra de apoio político de setores conservadores em bancadas religiosas sob um discurso de defesa de direitos”, analisa a psicóloga, destacando alguns políticos que lucram com essas comunidades terapêuticas: deputados federais Marco Feliciano (PSC-SP) e Carimbão (PROS-AL ) e a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR). Além disso, tem a indústria farmacêutica, que patrocina encontros para médicos, como forma de propaganda e fidelização dos clientes – constante crescimento. E a indústria da loucura, denunciou a palestrante, retira recursos do SUS, que são transferidos para as CTs.

A palestrante recebe da coordenadora Vilma Lourenço uma lembrança da diretoria do SITRAEMG
No espaço para o debate, o psicólogo Arthur Lobato observou que o conceito de loucura e normalidade não tem consenso ao longo da história. Se antes eram todos excluídos, hoje é o que enlouquece pelo trabalho que vai cair nos novos manicômios. “Temos que ficar em alerta a esse movimento neoliberal”, advertiu. Célio Izidoro deixou a seguinte indagação: “a exclusão por ser pobre, por ser negro, por ser questionador – será que precisamos exterminar o povo?”. Outro servidor lamentou que, nos tribunais as avaliações de saúde levam em conta somente o aspecto físico, deixando de lado a situação psicológica e psiquiátrica do servidor, como se este fosse somente um ser “físico”.


Publicado em:   http://www.sitraemg.org.br


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